O Agro Avança, Mas a Logística Fica Para Trás: Gargalos Freiam o Progresso do Setor
O agronegócio brasileiro vive um paradoxo: enquanto avança em produtividade e ganha protagonismo mundial, encontra sérias dificuldades para escoar sua produção devido à precariedade da infraestrutura logística. A análise foi feita por Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), durante o evento Logística no Brasil, promovido pelo jornal Valor Econômico em Brasília, na quarta-feira (9).
Durante o painel “Superando os gargalos: investimentos e soluções para a infraestrutura nacional”, Elisangela afirmou que a logística brasileira não acompanha o ritmo de crescimento do setor agropecuário. “De 15 anos para cá, só a produção de soja e milho aumentou 155 milhões de toneladas, uma média de 10 milhões de toneladas por ano. A infraestrutura, no entanto, segue estagnada”, destacou.
Segundo a técnica da CNA, esse descompasso é ainda mais evidente nas chamadas novas fronteiras agrícolas, como o Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) e o estado do Mato Grosso, que sozinho responde por uma fatia significativa da produção nacional. “Hoje, essas regiões representam 68% da produção brasileira de grãos, mas apenas 35% dessa produção consegue ser escoada pelos portos do Arco Norte. O principal gargalo está nas rotas entre as fazendas e os portos”, explicou.
Ferrovias, hidrovias e estradas: a infraestrutura que o agro precisa
Elisangela apontou que o agronegócio precisa de uma malha logística diversificada, que inclua ferrovias, hidrovias e rodovias em boas condições, especialmente as estradas vicinais, muitas vezes ignoradas nos planos de governo. “Sem boas estradas locais, a produção nem sequer chega às grandes vias de escoamento”, alertou.
A situação é agravada pela falta de estrutura para armazenagem. Atualmente, apenas 63% da produção agrícola tem capacidade de estocagem no país e no Mato Grosso, esse número é ainda menor, de apenas 49,9%. “A ausência de armazéns adequados encarece a logística, pois obriga o escoamento durante o pico da safra. No Mato Grosso, por exemplo, os custos com frete aumentaram 60% este ano em relação ao anterior”, apontou a assessora.
Ela ressaltou que logística não se limita ao transporte. “Logística é produzir e entregar com qualidade, no tempo certo e com custos reduzidos. E isso não é possível sem armazenagem”, disse.
Planejamento de longo prazo e obras estruturantes
Durante o debate, foi consenso entre os painelistas a necessidade de um planejamento de longo prazo para o setor de infraestrutura. A CNA apoia a criação de planos de Estado com foco nos próximos 5 a 10 anos. Elisangela citou obras fundamentais que precisam ser aceleradas, como a conclusão do trecho da BR-163 entre Miritituba e Santarém (PA), além da implantação da Ferrogrão.
“Se o Mato Grosso deve produzir 144 milhões de toneladas até 2034, 54 milhões a mais do que hoje, como justificar a não viabilização da Ferrogrão, que opera na mesma área de influência da BR-163?”, questionou.
Ela também lembrou os entraves burocráticos que atrasam o desenvolvimento da infraestrutura. Um exemplo citado foi o derrocamento do Pedral do Lourenço, no Rio Tocantins, cuja licença ambiental levou 11 anos para ser liberada. “Esse projeto, que inicialmente custava R$ 560 milhões, já passou de R$ 1,1 bilhão. E ainda há tentativas do Ministério Público de suspender a obra”, lamentou.
Caso o projeto avance, estima-se que poderá reduzir os custos de frete em até 40%, beneficiando o escoamento de 20 milhões de toneladas por via fluvial, uma alternativa mais barata e sustentável ao transporte rodoviário.
A importância da armazenagem na fazenda
A CNA realizou uma pesquisa com 1.065 produtores sobre as dificuldades de armazenagem. O levantamento revelou que apenas 61% da produção é armazenada dentro das propriedades, o que obriga os agricultores a dependerem de armazéns de terceiros, muitas vezes longe das fazendas e com altos custos.
Nos Estados Unidos, 54% da produção é armazenada nas próprias fazendas, o que permite maior controle sobre o momento ideal de venda e transporte. No Brasil, por outro lado, “os caminhões viram armazéns sobre rodas no pico da safra”, o que representa uma enorme ineficiência, tanto para o produtor quanto para a economia nacional.
Para resolver esse problema, Elisangela defende a criação de linhas de crédito mais atrativas, com juros mais baixos, prazos de carência estendidos e financiamentos voltados à construção de armazéns nas propriedades.
“A falta de armazenagem compromete toda a cadeia e gera prejuízos não só ao produtor, mas à sociedade como um todo. É preciso correr contra o tempo. A logística precisa acompanhar o agro”, concluiu.